Excelentíssimo Senhor Promotor de Justiça Luiz Fernando Fernandes Pacheco;
lpacheco@mpsc.mp.br
Trata-se do suposto caso de apologia ao nazismo que teria ocorrido em manifestação em São Miguel do Oeste. Como cidadão brasileiro me sinto no dever de expor a minha análise do caso, a qual tomei conhecimento tão somente por meio de relatos na internet e nos veículos jornalísticos.
Segundo informações veiculadas na mídia, o Relatório Preliminar do Grupo Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas - GAECO concluiu que o ato realizado não caracterizou o crime de apologia ao nazismo, conforme tipificado na Lei n.° 7.716/1989, art° 20, § 1°.
Salvo equívoco de minha parte, o entendimento do GAECO baseou-se nos depoimentos dos participantes e testemunhas que afirmaram que o gesto do braço estendido durante a execução do Hino Nacional foi estimulado pelos organizadores, que sugeriram que cada pessoa colocasse a mão sobre o ombro da pessoa a sua frente ou estendesse o braço para “enviar energias positivas”. Não havendo discurso explícito de suporte ao nazismo, entendeu-se que o gesto apenas se assemelhou em aparência a saudação romana, gesto típico do nazismo.
Contudo, salvo melhor juízo, tal interpretação ignora o contexto político e social no qual este evento se insere. Primeiramente estamos em um momento histórico de forte crescimento de células neo-nazistas em Santa Catarina e no Brasil, conforme relata a Universidade de São Paulo (https://jornal.usp.br/radio-usp/crescimento-de-neonazistas-no-pais-e-um-dos-desafios-das-eleicoes-2022/).
A data específica do evento coincide com manifestações no país inteiro de grupos insatisfeitos com o resultado da recente Eleição Presidencial. Tais manifestantes solicitam, entre outras revindicações, uma suposta Intervenção Federal nos moldes de um Golpe de Estado promovido pelas Forças Armadas. Somente este fato sugere um possível crime contra as instituições democráticas, conforme estabelecido na Lei n° 14.197.
Além disto, a manifestação se insere em um movimento de ufanismo nacionalista e militarista, e em apoio ao atual Governo Federal. Governo este que já teve eventos polêmicos de proximidade com o ideário nazista. Um dos mais notórios foi o discurso do então Secretário de Cultura Roberto Alvin inspirado em um discurso anterior de Joseph Goebbels. A aplicação de censura ética neste caso talvez tenha sido a mais adequada sob o ponto de vista jurídico, mas creio ter sido insuficiente para a opinião pública. O sentimento público é similar ao exposto pelo Presidente da OAB na ocasião (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51149263).
Vários outros episódios polêmicos neste tópico também ocorreram, como creio ser do conhecimento do Senhor Promotor. Mas destaco que alguns dos eventos de mais difícil análise jurídica sejam os casos de “dog whistle” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Apito_de_cachorro), termo em inglês que significa apito de cachorro. Trata-se de uma estratégia muito utilizada pelos movimentos de extrema-direita ao redor do mundo, na qual se faz o uso de mensagens cifradas, aparentemente inofensivas, mas que para o público iniciado carrega um significado completamente diverso. Como um apito canino, que apenas os cachorros escutam.
E é neste sentido que sugiro, salvo melhor juízo, que se faça a análise do ocorrido em São Miguel do Oeste. Mesmo que na superfície o gesto possa ter se assemelhado a uma mera imposição de mãos, ou a uma saudação da bandeira, quando analisado em contexto o gesto ganha outro significado.
Cabe destacar que a explicação de “colocar a mão sobre o ombro da pessoa a frente) parece pouco convincente devido a maioria das pessoas no vídeo não estarem tocando em ombro algum. Também destaco que o gesto da saudação romana é bastante conhecido em seu contexto nazi-fascista, fazendo parte de inúmeras obras cinematográficas bastante populares.
Destaco ainda a reação do Museu do Holocausto de Curitiba (https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2022/11/03/museu-do-holocausto-caracteriza-como-ultraje-saudacao-semelhante-a-usada-no-nazismo-feita-por-bolsonaristas-em-santa-catarina.ghtml), da Confederação Israelita do Brasil e do Procurador Geral da República (https://noticias.r7.com/cidades/procurador-geral-e-comunidade-judaica-cobram-autoridades-por-saudacao-nazista-em-ato-em-sc-02112022).
O atual crescimento de grupos de extrema direita no Brasil demanda uma reação enérgica por parte das autoridades. Infelizmente parece que muitos subestimam os riscos da normalização destes discursos de ódio. Neste sentido solicito especial cuidado na análise do ocorrido, e que todo o peso da lei seja imposto caso realmente um crime tenha ocorrido.
E solicito também, qualquer que seja a conclusão da investigação, uma divulgação detalhada e transparente da decisão, visto tratar-se de caso de amplo interesse público.
Respeitosamente,
Aniello Olinto Guimarães Greco Junior
(Quem considerar esta carta adequada, sugiro enviar este texto ou similar para o endereço de email que consta na segunda linha).